BRASIL: UMA PANELA DE PRESSÃO (OU ESTAMOS PERDIDOS)

O QUE ACONTECERÁ QUANDO A PANELA DE PRESSÃO EXPLODIR?

(SEM) INSPIRAÇÃO

HOJE ACORDEI INSPIRADO. MAS ACHO QUE EXPIREI.

SOBRE SER CULTO

A VIDA NÃO SE RESUME AO FACEBOOK.

A REVOLUÇÃO DOS MACACOS

SOMOS TODOS MACACOS, ALGUNS MAIS MACACOS QUE OUTROS.

NU

HOJE ME DEU VONTADE DE ESTAR NU.

19 setembro 2017

Cerá? (ou uma doença para chamar de minha)

Dia 19 de setembro de 2017


Foi pouco mais de um mês de demora entre a primeira vez que percebi os sintomas e o diagnóstico médico. Percebi no cinema. Era dia dos pais e fomos em família assistir a um filme em 3D. Por algum motivo que não sei ao certo qual - infantilidade minha, desconfio eu haha - eu decidi testar como ficaria a visão com o óculos do cinema caso eu fechasse um dos olhos. Fechei o olho esquerdo. Visão perfeita. Fechei o olho direito. Tudo embaçado. Lembro-me de ter pensado que não fazia muito sentido enxergar bem com um e não com o outro. Continuei assistindo ao filme.

Antes que me perguntem, assistimos ao "Planeta dos Macacos - A Guerra". Um filme não mais que bom, apesar da história bacana e cenas com efeitos surpreendentes. Mas surpresa maior mesmo eu tive ao sair da sessão. Ao repetir o teste que havia feito - dessa vez sem os óculos 3D - o olho esquerdo continuava embaçado. O problema não era a tecnologia 3D, mas sim a "tecnologia" da minha visão. Algo estava errado.

Consegui agendar consulta com uma oftalmo para três dias depois. Antes disso, fiz um teste de acuidade visual num posto de saúde próximo do trabalho. Sabem aquele teste para olhar a direção em que a letra E está, e que nós achamos absolutamente idiota? Pois é. Eu só conseguia responder a direção da letra na primeira fileira, a maior de todas. Nas outras, quando só meu olho esquerdo estava aberto, era impossível. Se aquilo fosse uma prova, eu estaria reprovado com louvor. Confesso que nesse momento bateu um certo desespero.

Dias depois, já na consulta, a médica me disse que eu tinha quase 6 graus de miopia e astigmatismo. Isso era uma imensidão para alguém que nunca precisou usar óculos. Mais um indício de que não era apenas um desgaste natural, e sim algo mais grave. Aquele dia foi a primeira vez que ouvi uma palavra que irá me acompanhar, provavelmente, para o resto da minha vida: ceratocone. Ela me pediu alguns exames para comprovar suas suspeitas.

Jamais tinha ouvido falar dessa tal ceratocone. Antes mesmo de chegar em casa, já havia dado um google, na esperança de que fosse algo simples. Mas ao contrário disso, as primeiras palavras que li sobre ela foram "doença degenerativa". Confesso: li como se tivesse tomado um soco. Descobri que é difícil ser otimista logo após receber tal notícia do doutor Google.

Fiquei uns dias triste? Fiquei. Preocupado? Fiquei. Mas continuei minhas pesquisas. E, aos poucos, com a ajuda da mesma internet que tinha me feito ler a bombástica palavra "degenerativa", fui desmistificando a doença. Quando recebi o resultado do exame, eu já estava até familiarizado com as causas e possíveis tratamentos.

Ceratocone é sim uma doença degenerativa que deforma a córnea do olho, podendo atingir até mesmo os dois olhos - no meu caso, está só no esquerdo. A córnea, por sua vez, é uma espécie de película que cobre a parte externa do globo ocular. O ceratocone deforma o ângulo da córnea, causando embaçamento e, consequentemente, a perda da acuidade visual. Isso, claro, segundo os meus conhecimentos em oftalmologia, após um mês de estudos intensos na universidade chamada internet.

Apesar de degenerativa, ela tem tratamento: óculos, colírio, lentes especiais, cirurgia ou,em último caso, transplante de córnea. A certeza até o momento é a de que para o resto da minha vida eu precisarei ter um oftalmologista para chamar de meu. Preferencialmente um que seja especialista em córnea. Adoro segmentações.

Em resumo: Poderia ser pior, mas não é (que Murphy não me ouça). Apesar de ser algo que me seguirá, provavelmente, para o resto da vida, eu não ficarei cego e é possível que recupere parte da visão perdida.

Mas sejamos realistas: apesar da sensação verdadeira de que "não é o fim do mundo", toda doença crônica causa uma alteração na percepção que temos sobre o mundo. Sabe aqueles filmes em que os personagens só realizam uma mudança na vida após a descoberta de uma enfermidade? Pois é. Esse efeito existe. A gente percebe de forma mais claro o quanto protelamos alguns dos nossos objetivos com desculpas de falta de tempo ou até mesmo por pura preguiça.

Uma das mudanças foi tive iniciar a escrita de um livro chamado "A Rainha de Gesso", que está sendo publicado no Wattpad. Sim, escrevi todo esse texto emocionante apenas para divulgar um trabalho meu, porque afinal de contas a propaganda é a alma do negócio haha. Brincadeiras à parte, é a velha história do não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje. A sensação de impotência diante de alguns eventos podem trazer alguns pontos benéficos. Vai muito de como você lida com eles.

Se você está lendo essa postagem porque seu médico suspeita de ceratocone ou acabou de ser diagnosticado com a doença, não se desespere. Você não deixará de ver todas as cores do mundo. Talvez essas cores que você vê acabem se tornando ainda mais bonitas a partir de agora. A gente valoriza ainda mais o que tem quando a possibilidade de perdê-las fica mais evidente.

E, como não poderia faltar, quem quiser conferir o livro "A Rainha de Gesso", confira gratuitamente no link abaixo.

https://www.wattpad.com/468890606-a-rainha-de-gesso-cap%C3%ADtulo-1


SINOPSE

Nascida em um vilarejo pobre, Jordana Modeste está vivendo um sonho: convive bem próxima da realeza, sendo a dama de companhia da princesa - posição de prestígio na corte - e tendo boa relação com o rei. Apesar disso, não é vista com bons olhos por alguns membros da nobreza, ainda mais depois de ter engravidado solteira em uma sociedade tão tradicional.

Em uma noite de festas no Reino de Torim, ela escuta que o rei estaria ferido e desmaiado no estábulo. A princesa e sua prima correm para lá. Jordana também se dirige para o local, sem conseguir acompanhar o ritmo das duas. Quando se aproximava do lugar, Jordana ouve um estrondo seguido de uma forte luz: o estábulo havia explodido.

Esse incidente seria o início de uma perigosa disputa pela coroa.

26 junho 2017

Pensamentos de um mochileiro: Chile, Bolívia e Peru (Parte 3)

HOMENS VOAM?

Dia 26 de junho de 2017

Era o segundo ou terceiro dia de viagem. Eu estava deitado na cama do meio de uma treliche de um charmoso hostel de Santiago chamado Chile Lindo. Nada mais justo. O Chile é realmente lindo. Há quantos Chiles para se conhecer?
Foi lá, no país de Violeta Parra, a primeira parada de uma viagem que durou 21 dias. Pegamos o avião de São Paulo, fizemos escala no Rio de Janeiro com uma espera de 8 horas, e da cidade maravilhosa voamos para Santiago. Sim, meus caros, homens voam. E de lá de cima a Cordilheira dos Andes nos recebeu, mostrando toda a sua imponência e extensão. A tão temida turbulência no avião próxima das Cordilheiras não aconteceu. Chegamos sãos e salvos ao aeroporto da capital chilena.

Por falar em altura, como não lembrar da nossa visita ao arranha céu mais alto da América Latina, o Sky Costanera? São 62 andares, num total de 300 metros de altura. De lá de cima, tudo fica pequeno, como se fossem miniaturas. Ficamos por provavelmente mais de uma hora admirando a paisagem como se estivéssemos plainando pelo céu. Se homens voam? Eu estava voando.
Nesta viagem foi possível, inclusive, voar em solo. Na segunda semana estávamos na Bolívia, em um dos lugares mais incríveis que já estive em toda minha vida: o passeio de três dias ao Salar Uyuni, o maior deserto de sal do mundo. O passeio, totalmente feito sob quatro rodas, me deixou, por muitas vezes, nas nuvens e por vários motivos. As paisagens eram incríveis. Um lugar realmente único. Muitas formações rochosas, lagos de várias cores, geisers, banho termal, desertos infinitos. E, além de tudo, estávamos voando. Naquele passeio chegamos a 5 mil metros de altitude. Não sem mascar várias folhas de coca. Voar tão alto, ainda que por solo, deixa o ar rarefeito. E a folha de coca ajuda muito. Voávamos novamente.




Não há como descrever apenas com palavras o quanto uma viagem como esta pode mudar quem você é. Mas posso dizer que viagens como esta estão mais perto do que você imagina. Por vinte e um dias eu voei. Voei fisicamente por meio de aviões, mas o maior voo foi simbólico. E se você tem vontade, faça acontecer. Voe. Porque homens voam. E eu não tenho dúvidas disso.


Voltando à treliche do hostel Chile Lindo. Como disse, era o segundo ou terceiro dia da viagem. Eu havia andado muito, e o cansaço me fez dormir ainda que uma festa estivesse rolando no local. A festa acabou e os hóspedes já estavam indo para suas camas. Incluindo um mexicano, extremamente bêbado, que iria dormir na cama de cima da minha treliche. Ele subiu, não sem dificuldades. Minutos depois, sabe-se lá por qual motivo, tentou descer. Esse foi seu maior erro. Em plena madrugada, um barulho. O mexicano caiu do alto da treliche, indo de encontro ao chão. Todos acordaram. Pude ouvir ao menos três idiomas sendo falados ao mesmo tempo, por pessoas de vários países perguntando se ele estava bem. Por sorte, o mexicano não se machucou. Porém, nesse momento cheguei à seguinte conclusão: homens voam, mas nem sempre.




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Confiram também a Parte 1 e Parte 2 da série "Pensamentos de um Mochileiro: Chile, Bolívia e Peru"

20 junho 2017

A postagem que não é 2

Dia 20 de junho de 2017


Eu não tenho nada a acrescentar a quem ler a esta postagem.

Esta postagem não usará de uma linguagem sofisticada ou revolucionária. Ela não preencherá o vazio de sua existência. Você não se lembrará dela daqui há dois dias.

Essa postagem não é arte. Sequer é literatura. É o oposto da poesia, da prosa e da crônica. Esta postagem é uma anomalia. Não a leia.

Não é poesia para recitar. Não é verso para declamar. Não é gostosa de ouvir. Não rima. Soa torta. Não é sequer dadá. Este texto - se é que podemos chamá-lo assim - não será objeto de análise. É a perda do seu tempo, é a abstração de tudo o que é inútil, é a personificação do vazio.

De tudo o que ela é, não se tiraria sequer uma linha. A sua imensidão está em tudo o que ela nega. O contrário do que existe. Tudo o que sei sobre essa postagem é que ela não é. E por que haveria de ser?

26 maio 2017

Realeza Canibal

Dia 25 de maio de 2017

O Rei 1 sofreu um golpe. Eram poucos os plebeus que ainda o apoiava. Faltava-lhe eficiência e inteligência. A plebe não estava contente.

Apesar disso, o golpe não foi uma iniciativa popular, mas orquestrado pelos reis 2, 3 e 4. Ainda que suas diferenças fossem grandes e seus egos equivalentes, se uniram pela máxima "o inimigo do meu inimigo é meu amigo". Inimigo derrotado, sobrou apenas as diferenças. 

Ocupados em resolver suas diferenças, foi o Rei 5 - que ainda não tinha entrado na história - quem ascendeu ao poder, aproveitando-se do vácuo momentâneo. Apesar disso, os Reis 2, 3 e 4 ainda comandavam todo o sistema. O Rei 5 era decorativo. Só ele não sabia disso.

O sistema dos novos reis era mais impositivo que o antecessor. Faltava diálogo, sobrava ordens. A plebe, que já não estava feliz anteriormente, sentia-se cada vez mais fora do jogo. Os outros mandavam e a eles só restava obedecer.


Foi então que se uniram. Democraticamente, lutaram pelos seus direitos. Não queimaram prédios, não fizeram greve, não ergueram bandeiras. Apenas reclamaram ao Rei 5 por mais direitos. E nada mudou. Num sistema onde o diálogo não é considerado, a luta pelo viés democrático é ineficaz.

Porém, ao mesmo tempo em que a plebe lutava em vão por seus direitos, as diferenças entre os reis ficava cada vez mais evidente. 

O Rei 5 ainda estava iludido pelo cargo ilusório que lhe foi conferido. Os  Rei 2 jogava contra o Rei 3 e o Rei 5, e achava que tinha apoio do Rei 4. Mas o Rei 4 não apoiava ninguém, apenas a ele. O Rei 3, por sua vez, fazia movimentos contra o 2 e o 5.

A plebe percebeu que não estava fora do jogo. Eles só estavam sãos. Ao contrário dos Reis. Estes cegos, insanos, loucos e canibais.

A plebe, ainda sofrida, decidiu apenas assistir. Assistiam ao lento e vergonhoso declínio dos Reis. Não havia torcida por nenhum deles. Apenas o desejo masoquista de ver a realeza canibal sangrar. E a cada gota de sangue azul derramada, um sorriso plebeu se abria. A sanidade tem seu preço. A insanidade também.

01 março 2017

Pintaram tudo de cinza

Dia 1° de março de 2017

Aqui aconteceu um carnaval. Eu juro! Havia um carnaval aqui!

Eu sei, é difícil de acreditar. Não consigo lhe dizer onde estão todos, mas isso aqui estava lotado, meu senhor. Estou lhe falando... isso aqui estava abarrotado de gente.

Não, meu senhor. Estavam todos felizes. Quase todos, pelo menos. Claro que deve ter acontecido um ou outro problema, uma ou outra briga. Mas, assim, no geral, a regra era dançar, beijar, beber e se divertir.

Dá, dá pra reconhecer os foliões pela roupa sim. O que? Se eles usavam algum tipo de uniforme? É sério que o senhor não conhece o carnaval? Não, me desculpe... não quis dizer isso. Concordo, ninguém é obrigado a conhecer o carnaval. Não quis lhe ofender. Mas, assim... uniforme ninguém usava não. A regra da roupa era bem ao contrário da de um uniforme, sabe? Tem alguma palavra que seja o contrário de uniforme? Poi é, eu também não conheço. Mas se houver, isso seria uma boa definição da roupa deles.

Se era cinza? Não, não. Era tudo bem colorido. Por isso o meu espanto, entende? Não sei quem vandalizou a cidade. Juro que não fui eu. Por mim ainda estaria tudo colorido.

Eu tô é frustrado. Eu achava que não ia acabar, sabe? Desde sexta-feira que todo mundo se diverte. Isso mesmo, eu não tô maluco não, meu senhor! Foi sexta, sábado, domingo, segunda, terça... aí hoje eu saio pra rua super empolgado, e nada. Quase saí pra rua de saia, senhor acredita? Imagina o vexame.


Não, né! É claro que não uso saia no meu dia-a-dia. Mas é que assim... quando tem homem de saia em todo canto, usar ela parece normal, entende? É como na Escócia. O senhor sabe que lá os homens usam saia como se fosse calça jeans, não sabe? Pois, então. Homem usar saia foi normal por cinco dias aqui. Eu juro! Mas agora tô vendo que não é normal mais não. Não sei também quem proibiu o uso dela hoje. Mas, pelo visto, tá proibido sim. Só mulheres podem usar saia agora. Ou tá vendo algum homem usando uma? Tô achando que quase tudo tá proibido de novo. Homem de saia, mulher de roupa curta, faltar do trabalho, ouvir música alta, ser feliz. Mas o que mais me deixou chateado foi a proibição das cores. Sinceramente? Nunca vi uma quarta-feira tão cinza. Não sei quem terminou o carnaval, mas peço que o senhor, seu guarda, prenda o responsável por vandalizar nossa alegria.

29 janeiro 2017

Pensamentos de um mochileiro: Chile, Bolívia e Peru (Parte 2)

O DIA EM QUE OS INCAS VENCERAM OS ESPANHÓIS

Dia 29 de janeiro de 2017

Quem me conhece sabe o quanto sou apaixonado por xadrez. Não necessariamente pelo jogo em si. Claro que ele é interessante. Eu é que não sou um bom jogador. Me atraio na verdade por suas peças. É impossível não parar em frente às lojas de tabacarias de shopping centers sem olhar para aqueles tabuleiros dos mais variados formatos e materiais, um mais lindo que o outro, um mais caro que o outro. E eu sempre sem dinheiro mas sempre repetindo mentalmente: um dia compro um desses!

Eu acredito muito em energias e no poder que elas têm em nossas vidas.Comprar um xadrez desses bem estilizados era um pensamento que eu tinha já há algum tempo. Já a viagem para o Chile, Bolívia e Peru, não. Ela se tornou um sonho para mim durante a própria viagem. Nos vendem Europa e EUA como que jogos de xadrez feitos de cristal em vitrines de tabacarias. Esses locais são, provavelmente, lindos. Um dia hei de visitá-los, assim como um dia terei delicados e belos reis, rainhas e peões de cristal expostos em minha mesa de jantar. Mas, assim como não existem apenas jogos de xadrez em cristal, também não existe apenas o chamado "primeiro mundo" para se visitar.

Santiago - Chile
O Chile, minha primeira parada, foi uma grata surpresa. Sua capital Santiago é sete vezes maior que Campinas, e, ao mesmo tempo, sete vezes menos insana. Claro que a cidade que o turista enxerga nunca é a mesma cidade dos moradores do local. Mas o stress de lá é, aparentemente, menos estressante. No horário de pico o trânsito anda. No metrô, quando cheio, as pessoas esperavam o próximo ao invés de se acotovelarem. As notas de dinheiro, sempre com quatro dígitos ou mais, nos dá a sensação sempre falsa de ter mais dinheiro do que realmente temos. isso, claro, até a primeira compra, sempre de, no mínimo, três dígitos. O tempo, seco, é o oposto de seu povo, acolhedor. As paisagens possuem neve, deserto, montanhas, praias, frio e calor. É possível conhecer um Chile por dia.
Salar Uyuni - Bolívia
A Bolívia possui o Salar Uyuni. Apenas por essa paisagem o passeio todo já valeu a pena. Existem outros belos lugares  no país, como as lagunas, os geysers, as ilhas e o Lago Titicaca. Mas nenhum outro se compara à visão mágica do céu se espelhando no chão. Além de Uyuni, outras cidades visitadas por nós foi La Paz e Copacabana. A primeira tem seu charme, mas a combinação altitude, poluição e falta de árvores não me fez bem. A segunda nos fez sentir em casa, não só pelo nome familiar, mas também pela bela paisagem do maior lago navegável do mundo, o Titicaca. A Bolívia no geral é um país peculiar. Eles mantém suas raízes bastante fortes, seja na música, nas vestimentas ou na forma quase improvisada que algumas coisas funcionam. Dos três, foi na Bolívia onde o choque cultural realmente apareceu. E, com o diferente, as comparações com seu país de origem e até mesmo os preconceitos aparecem de forma involuntária. Julgamentos sobre beleza física daqueles com o fenótipo do qual não estamos acostumados vem à tona. O questionamento se nossa bagagem colocada no ônibus sem identificação irá estar no mesmo lugar ao final da viagem aparece. O medo do barco aparentemente não tão seguro naufragar também surge. E, no final, tudo funcionou, ainda que num processo e com procedimentos diferentes do que seria em nosso país. Outra coisa curiosa é que no país de Evo Morales cagar é um desafio. Há um verdadeiro comércio de banheiros imundos e sem torneiras ou papel higiênico pelas cidades. Paga-se um ou dois bolivianos (aproximadamente de R$0,50 a R$ 1,00) para entrar neles. A dica é levar seu próprio rolo e um álcool em gel. Não tenha dúvidas de que eles serão de grande utilidade.

Ilha Taquile - Peru
Por fim, o Peru foi uma grata surpresa. Mais precisamente a cidade de Puno, a única do país que visitamos, mas certamente não será a última. Além de experiências inesquecíveis nas visitas que fizemos nas ilhas peruanas do Titicaca, a cidade nos recebeu com uma festa que nos lembrou bastante o carnaval de rua brasileiro. Além disso, outra grata surpresa foi encontrar e comprar o meu suvenir preferido de toda essa viagem: um jogo de xadrez com peças que faziam referência às tropas espanholas e aos guerreiros incas. Por uma grana bem menor do que nas tabacarias brasileiras, hoje tenho um jogo para expor em minha casa. Não em cristal, mas em madeira. E, mais do que um xadrez belo mas ordinário, toda vez que olho para ele me lembro dos 20 dias em que vivi uma das experiências mais inesquecíveis da minha vida. A primeira batalha ocorreu ainda em Puno. Mudando a história, o exército inca se saiu vencedor. Para minha sorte, o Rafael, meu oponente, é um jogador mais fraco que eu. Azar para os espanhóis. Mas, melhor do que mudar a história, foi ver um pouco do resultado da história nesses três belos, diferentes e exóticos países de nosso continente.

Jogo de xadrez Incas x Espanhois
Outros Textos:

Parte 1

28 janeiro 2017

Pensamentos de um mochileiro: Chile, Bolívia e Peru (Parte 1)

Países visitados: Chile, Bolívia e Peru
Duração da viagem: 20 dias
Integrantes do mochilão: Eu (Danilo) e Rafael
Idiomas falados na viagem: Português, Portuñol (Português + Espanhol), Portuliano (Português + Italiano) e Inglês
Tempo de planejamento: aproximadamente 3 meses
Tipos de lugares visitados: Cidades grandes e urbanas, cidades pequenas, lagos, rios, deserto, montanhas, geysers, águas termais, ilhas e tribos
É preciso ser rico para viajar: NÃO!


PRAZER, DESERTO

Dia 28 de janeiro de 2017


Era o sétimo dia de viagem. Mas lá, ao contrário dos outros tantos momentos incríveis que já tive o privilégio de viver, as horas passavam devagar. Talvez fosse devido à paisagem quase monocromática que eu via há provavelmente mais de 10 horas seguidas pelas janelas do ônibus. Um marrom quase alaranjado. Ora montanhas, outrora nem isso. Sem sinal algum dos verdes tão visíveis das terras tupiniquins. Era uma paisagem muito diferente daquela que estive acostumado a enxergar no Brasil. Mas não era de forma alguma uma visão intimidadora ou tediosa. Aquela paisagem não fez com que eu me sentisse um forasteiro. Ao contrário. Uma estranha sensação de pertencimento me atingia. O deserto do Atacama, localizado na parte norte do Chile e, até então, um completo desconhecido para mim, me recebia de braços abertos. Isso, claro, considerando a terra quase infinita e um Sol intenso como um grande afago de ternura. E era. Ao menos para mim.

Ao meu lado, Rafael dormia. Eu, sentado na poltrona próxima da janela, ouvia músicas enquanto olhava para a imensidão do deserto, quase como numa meditação. De repente, o modo aleatório do meu playlist me tirou do transe num dos momentos mais simbólicos de toda a viagem.

"Gracias a la vida que me ha dado tanto..."                 (Graças à vida que me deu tanto)

A argentina Mercedes Sosa invadia meus ouvidos, cantando a música mais emblemática de uma das maiores compositoras folclóricas da América Latina: a chilena Violeta Parra. 

"Me dio dos luceros que cuando los abro                     (Me deu dois olhos que quando os abro
Perfecto distingo lo negro del blanco..."                      Distingo perfeitamente o preto do branco...)

Nesse momento me senti latino, algo tão distante de nós, brasileiros. Ainda que ouvindo uma música de um idioma que não é o meu, e que não domino, eu também pertencia àquele lugar.

"(...)Gracias a la vida que me ha dado tanto              ((...) Graças à vida que me deu tanto
Me ha dado el sonido y el abecedario                        Me deu o som e o abecedário 
Con él, las palabras que pienso y declaro                  Com ele, as palavras que penso e declaro
Madre, amigo, hermano                                             Mãe, amigo, irmão
Y luz alumbrando la ruta del alma del que                E luz clareando o caminho da alma de quem 
estoy amando"                                                            estou amando)

Em pleno Atacama, uma lágrima teimou a descer dos meus olhos, como se uma gota pudesse umedecer o deserto mais árido do mundo. Mas aquela paisagem, somada à trilha sonora perfeita e uma sensação de liberdade foi uma das sensações mais fortes que já havia sentido.

"Minha casa está presa à vários balões, sendo possível tornar o meu lar em qualquer lugar" (Gabriel Feitosa)
Valle de la Luna

Dentro do ônibus se falava vários idiomas. Estranhamente, como eu e Rafael pudemos constatar e como virou quase uma regra em todos os três países que visitamos, havia turistas brancos de todas as formas e cores. Negros quase inexistentes. Dentre os de pele clara, um casal de japonês bastante exótico. Curiosamente, o ônibus foi o primeiro lugar que os encontramos. Mas não o último. Durante  todo o resto do nosso percurso pelo Chile e praticamente toda nossa vigem pela Bolívia, nós sempre cruzávamos com esse casal. É impressionante como viagens proporcionam encontros anônimos. Nunca trocamos uma palavra com eles. Não sabemos seus nomes, se realmente são japoneses ou de algum outro país oriental. E nunca descobriremos. Mas compartilhamos os mesmos ambientes e as mesmas paisagens.

Conheci tanta gente de tantos lugares, pessoas que se tornaram amigos verdadeiros ainda que por apenas alguns dias, e que nem barreira do idioma e nem a barreira cultural impediram de haver mais que comunicação, empatia. Certamente, quem faz guerra nunca viajou. Por isso, a arte e a viagem são as duas coisas mais próximas do humano que eu, humano, conheço. São  linguagens universais. Talvez existam outras. E, se existir, me falem.

Nas próximas semanas escreverei aqui no blog o roteiro exato da viagem, como alguns vem me pedindo. Roteiro em ordem cronológica, e não um texto que já se inicia falando sobre o sétimo dia de viagem. Mas as sensações são tão voláteis e inexatas, que achei que a urgência maior era essa. Mais que músicas, trilhas sonoras para sua viagem. Mais que lugares, sentimentos. Mais que culinárias, paladar.  Afinal, literatura combina tão bem com viagens, não é mesmo?