28 janeiro 2017

Pensamentos de um mochileiro: Chile, Bolívia e Peru (Parte 1)

Países visitados: Chile, Bolívia e Peru
Duração da viagem: 20 dias
Integrantes do mochilão: Eu (Danilo) e Rafael
Idiomas falados na viagem: Português, Portuñol (Português + Espanhol), Portuliano (Português + Italiano) e Inglês
Tempo de planejamento: aproximadamente 3 meses
Tipos de lugares visitados: Cidades grandes e urbanas, cidades pequenas, lagos, rios, deserto, montanhas, geysers, águas termais, ilhas e tribos
É preciso ser rico para viajar: NÃO!


PRAZER, DESERTO

Dia 28 de janeiro de 2017


Era o sétimo dia de viagem. Mas lá, ao contrário dos outros tantos momentos incríveis que já tive o privilégio de viver, as horas passavam devagar. Talvez fosse devido à paisagem quase monocromática que eu via há provavelmente mais de 10 horas seguidas pelas janelas do ônibus. Um marrom quase alaranjado. Ora montanhas, outrora nem isso. Sem sinal algum dos verdes tão visíveis das terras tupiniquins. Era uma paisagem muito diferente daquela que estive acostumado a enxergar no Brasil. Mas não era de forma alguma uma visão intimidadora ou tediosa. Aquela paisagem não fez com que eu me sentisse um forasteiro. Ao contrário. Uma estranha sensação de pertencimento me atingia. O deserto do Atacama, localizado na parte norte do Chile e, até então, um completo desconhecido para mim, me recebia de braços abertos. Isso, claro, considerando a terra quase infinita e um Sol intenso como um grande afago de ternura. E era. Ao menos para mim.

Ao meu lado, Rafael dormia. Eu, sentado na poltrona próxima da janela, ouvia músicas enquanto olhava para a imensidão do deserto, quase como numa meditação. De repente, o modo aleatório do meu playlist me tirou do transe num dos momentos mais simbólicos de toda a viagem.

"Gracias a la vida que me ha dado tanto..."                 (Graças à vida que me deu tanto)

A argentina Mercedes Sosa invadia meus ouvidos, cantando a música mais emblemática de uma das maiores compositoras folclóricas da América Latina: a chilena Violeta Parra. 

"Me dio dos luceros que cuando los abro                     (Me deu dois olhos que quando os abro
Perfecto distingo lo negro del blanco..."                      Distingo perfeitamente o preto do branco...)

Nesse momento me senti latino, algo tão distante de nós, brasileiros. Ainda que ouvindo uma música de um idioma que não é o meu, e que não domino, eu também pertencia àquele lugar.

"(...)Gracias a la vida que me ha dado tanto              ((...) Graças à vida que me deu tanto
Me ha dado el sonido y el abecedario                        Me deu o som e o abecedário 
Con él, las palabras que pienso y declaro                  Com ele, as palavras que penso e declaro
Madre, amigo, hermano                                             Mãe, amigo, irmão
Y luz alumbrando la ruta del alma del que                E luz clareando o caminho da alma de quem 
estoy amando"                                                            estou amando)

Em pleno Atacama, uma lágrima teimou a descer dos meus olhos, como se uma gota pudesse umedecer o deserto mais árido do mundo. Mas aquela paisagem, somada à trilha sonora perfeita e uma sensação de liberdade foi uma das sensações mais fortes que já havia sentido.

"Minha casa está presa à vários balões, sendo possível tornar o meu lar em qualquer lugar" (Gabriel Feitosa)
Valle de la Luna

Dentro do ônibus se falava vários idiomas. Estranhamente, como eu e Rafael pudemos constatar e como virou quase uma regra em todos os três países que visitamos, havia turistas brancos de todas as formas e cores. Negros quase inexistentes. Dentre os de pele clara, um casal de japonês bastante exótico. Curiosamente, o ônibus foi o primeiro lugar que os encontramos. Mas não o último. Durante  todo o resto do nosso percurso pelo Chile e praticamente toda nossa vigem pela Bolívia, nós sempre cruzávamos com esse casal. É impressionante como viagens proporcionam encontros anônimos. Nunca trocamos uma palavra com eles. Não sabemos seus nomes, se realmente são japoneses ou de algum outro país oriental. E nunca descobriremos. Mas compartilhamos os mesmos ambientes e as mesmas paisagens.

Conheci tanta gente de tantos lugares, pessoas que se tornaram amigos verdadeiros ainda que por apenas alguns dias, e que nem barreira do idioma e nem a barreira cultural impediram de haver mais que comunicação, empatia. Certamente, quem faz guerra nunca viajou. Por isso, a arte e a viagem são as duas coisas mais próximas do humano que eu, humano, conheço. São  linguagens universais. Talvez existam outras. E, se existir, me falem.

Nas próximas semanas escreverei aqui no blog o roteiro exato da viagem, como alguns vem me pedindo. Roteiro em ordem cronológica, e não um texto que já se inicia falando sobre o sétimo dia de viagem. Mas as sensações são tão voláteis e inexatas, que achei que a urgência maior era essa. Mais que músicas, trilhas sonoras para sua viagem. Mais que lugares, sentimentos. Mais que culinárias, paladar.  Afinal, literatura combina tão bem com viagens, não é mesmo?

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