29 novembro 2016

A tragédia pontual e a tragédia cotidiana

Dia 29 de novembro de 2016

O Brasil, assim como o futebol mundial, está de luto. A queda do avião que levava a delegação da equipe da Chapecoense tirou a vida de jogadores, membros da comissão técnica, da equipe de voo, de jornalistas e de convidados. Sobre este fato, nada mais pode ser acrescentado por esta página a não ser o nosso lamento profundo à todas as vítimas e aos familiares que sofreram a perda. Uma grande tragédia pontual que, assim como outras, causou e causa grande comoção em todos nós.

Há uma grande diferença entre este tipo de tragédia com as do nosso cotidiano. Milhares de pessoas morrem diariamente devido à vários motivos, incluindo algumas tragédias sociais, como fome e violência. A morte, num sentido filosófico, é a mesma. Mas por que, então, uma ganha manchetes e a outra não?

Não podemos desconsiderar que a mídia pauta nossas conversas. Tragédias que envolvem jogadores, artistas, apresentadores e outros agentes midiáticos repercutem porque eles entram em nossa casa, conversam conosco através das várias plataformas e nos criam empatia. Sua morte inesperada nos causa emoções. A tragédia cotidiana é diferente. Só conseguimos vê-la se a percebermos; não são mortes lidas com emoção, mas sim com a razão. E, é claro, há sempre o interesse de que ela não seja percebida por nós. A cotidiana faz parte do status quo; a outra, é um ponto fora da curva.

Hoje, no dia do acidente aéreo que vitimou cerca de 75 pessoas, vi algumas pessoas postando em suas redes sociais sobre a ausência de postagens homenageando as vítimas das tragédias cotidianas, ao invés de apenas textos e imagens da tragédia da Chapecoense. É preciso entender que somos seres emocionais, não somente racionais. Não é só a televisão ou a mídia que causa essa comoção. Cada membro da grande massa - onde, obviamente, estou incluído - que já viajou de avião pensa consigo mesmo que poderia ter sido ele. A grande massa que gosta de futebol pensa que "poderia ser meu time". As pessoas que, assim como eu, são formadas em jornalismo, também têm esse pensamento. Quantos lados e visões individuais desse mesmo fato? Acidentes comovem também porque nos tiram da zona de conforto e nos fazem pensar a respeito do maior tabu da humanidade: a morte, a sua e a do outro.

As críticas à essa comoção em massa podem ser lógicas até certo ponto, mas talvez a lógica não caiba em todos os momentos da vida. A dor é de cada um. Pensar nos problemas estruturais e sociais da humanidade não te impede de ter empatia com esse acidente aéreo, com as histórias individuais dessas vítimas e a  história do time de futebol que surgiu do nada e conquistou a América do Sul. E, no caso contrário, se comover com essa tragédia não te impede de hoje, amanhã ou na próxima semana visitar uma ONG, um hospital, ou ser voluntário em algum projeto social. Se você já faz isso, parabéns! Se não faz, mas critica o outro que se comoveu com o acidente, amanhã é um novo dia para abandonar a hipocrisia. E é sempre bom lembrar que Facebook e redes sociais não mudam o mundo.

Emoções são subjetivas, logo imensuráveis. Lamentamos tragédias pontuais como esta  porque elas têm rostos, vídeos e mídia. Já em relação às tragédias cotidianas, ainda que houvesse - e, às vezes, há - rostos, vídeos e mídia, o que verdadeiramente importa é a nossa ação. O primeiro é uma tragédia de fato. O outro, um problema estrutural, que não se modificará com longos e rasos textos de Facebook. Ao que não pode ser transformado, como é o caso desse acidente, nos resta um respeitoso luto. Ao que deve ser transformado, nos resta a ação. Só as nossas atitudes transformam o mundo. 

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