Dia 26 de novembro de 2016
Eu esperei por muito tempo para assistir ao 3%. Mais precisamente 5 anos. Para quem não sabe, antes de ser lançada pelo Netflix, a nova série de ficção científica brasileira foi lançada de forma independente no YouTube e, desde então, atraído a atenção dos internautas, com aproximadamente 650 mil visualizações na plataforma. Porém, sem recursos, parou no terceiro episódio. E, desde então, o criador Pedro Aguilera tentou suporte financeiro para a realização completa dessa história promissora. Até a Netflix comprar a ideia.
A história se passa num mundo pós-apocalíptico, onde 97% da população vive na extrema pobreza em um lugar conhecido popularmente como o "lado de cá". Já o restante, a elite da sociedade, moram na lendária Maralto, o "lado de lá", onde, supostamente, existe apenas bonança, felicidade e alta tecnologia. Para a massa excluída há apenas uma esperança para viver no "lado de lá": participar e vencer o processo de seleção. Todos eles, ao completarem 20 anos, podem se inscrever, mas apenas 3% deles conseguem a tão sonhada mudança de vida, abandonando todo o seu passado para uma "vida melhor". Aos perdedores, a certeza de que nada mudará.
A primeira ótima sensação que tive foi ver uma série com essa temática com uma qualidade de fotografia e edição comparável às produções de fora, e atores, conhecidos ou não do grande público, falando completamente em português em uma série da Netflix. Em um segundo momento, a trilha sonora é uma grata surpresa, em especial no início do terceiro episódio, quando começa a tocar "Mulher do fim do mundo", da insuperável Elza Soares. E, por fim, num terceiro, quando você percebe que os desafios pelos quais os personagens são submetidos, por mais estranhos e surreais que se pareçam, são apenas hipérboles dos nossos próprios desafios cotidianos, como entrevistas de emprego ou obrigações sociais.
O roteiro, intrigante, possui personagens com várias camadas. A fotografia, já mencionada antes, merece todo reconhecimento. Outro destaque é a grande diversidade de atores, com homens e mulheres, negros, brancos e orientais, além de um personagem cadeirante Fernando (Michel Gomes) como um dos protagonistas. Além de Gomes, vale destacar também as atuações de Bianda Comparato (Michele), da fantástica Vaneza Oliveira (Joana) e também da presença marcante de Viviane Porto (Aline).
Entretanto, não espere por uma série perfeita. As superproduções da Netflix estão anos-luz à frente de sua irmã brasileira no que se diz respeito à estrutura, especialmente em relação à cenários, já que o futuro de alta tecnologia, por muitas vezes, não parece tão futurístico assim. Mas há de se reconhecer que eles conseguiram, de forma criativa, ao menos amenizar esse problema.
O pecado da série seja, talvez, a forma caricatural como algumas coisas são mostradas. A pobreza do "lado de cá" é um tanto forçada, especialmente quando se repara nos figurinos dos figurantes, quase todos remendados de forma pouco convincente e com cores excessivas. O elenco também tem seus problemas. Alguns figurantes não possuem naturalidade em frente às câmeras. O ator João Miguel (Ezequiel) tem atuações oscilantes, e, por vezes, não convence tanto como o líder do processo. Já Rodolfo Valente, que interpreta o personagem Rafael, começa a série de forma um pouco forçada (talvez até mais por culpa do roteiro que por sua própria atuação), mas se recupera a medida que seu personagem vai ganhando mais complexidade. E, com oito episódios, o 5º, sobre o passado de Ezequiel, é bastante arrastado.
Apesar das oscilações, 3% termina muito bem, além de ser uma série que consegue dialogar com o público, especialmente nos 3 episódios finais, e tem como mérito nos fazer pensar a respeito de nossa própria realidade, em especial sobre a política, religião, status quo e, principalmente, a tão amada e odiada meritocracia.
O grande mérito de 3% é ter grandes chances de conseguir o que a global Supermax não alcançou: um futuro promissor.
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