BRASIL: UMA PANELA DE PRESSÃO (OU ESTAMOS PERDIDOS)

O QUE ACONTECERÁ QUANDO A PANELA DE PRESSÃO EXPLODIR?

(SEM) INSPIRAÇÃO

HOJE ACORDEI INSPIRADO. MAS ACHO QUE EXPIREI.

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A REVOLUÇÃO DOS MACACOS

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NU

HOJE ME DEU VONTADE DE ESTAR NU.

29 janeiro 2017

Pensamentos de um mochileiro: Chile, Bolívia e Peru (Parte 2)

O DIA EM QUE OS INCAS VENCERAM OS ESPANHÓIS

Dia 29 de janeiro de 2017

Quem me conhece sabe o quanto sou apaixonado por xadrez. Não necessariamente pelo jogo em si. Claro que ele é interessante. Eu é que não sou um bom jogador. Me atraio na verdade por suas peças. É impossível não parar em frente às lojas de tabacarias de shopping centers sem olhar para aqueles tabuleiros dos mais variados formatos e materiais, um mais lindo que o outro, um mais caro que o outro. E eu sempre sem dinheiro mas sempre repetindo mentalmente: um dia compro um desses!

Eu acredito muito em energias e no poder que elas têm em nossas vidas.Comprar um xadrez desses bem estilizados era um pensamento que eu tinha já há algum tempo. Já a viagem para o Chile, Bolívia e Peru, não. Ela se tornou um sonho para mim durante a própria viagem. Nos vendem Europa e EUA como que jogos de xadrez feitos de cristal em vitrines de tabacarias. Esses locais são, provavelmente, lindos. Um dia hei de visitá-los, assim como um dia terei delicados e belos reis, rainhas e peões de cristal expostos em minha mesa de jantar. Mas, assim como não existem apenas jogos de xadrez em cristal, também não existe apenas o chamado "primeiro mundo" para se visitar.

Santiago - Chile
O Chile, minha primeira parada, foi uma grata surpresa. Sua capital Santiago é sete vezes maior que Campinas, e, ao mesmo tempo, sete vezes menos insana. Claro que a cidade que o turista enxerga nunca é a mesma cidade dos moradores do local. Mas o stress de lá é, aparentemente, menos estressante. No horário de pico o trânsito anda. No metrô, quando cheio, as pessoas esperavam o próximo ao invés de se acotovelarem. As notas de dinheiro, sempre com quatro dígitos ou mais, nos dá a sensação sempre falsa de ter mais dinheiro do que realmente temos. isso, claro, até a primeira compra, sempre de, no mínimo, três dígitos. O tempo, seco, é o oposto de seu povo, acolhedor. As paisagens possuem neve, deserto, montanhas, praias, frio e calor. É possível conhecer um Chile por dia.
Salar Uyuni - Bolívia
A Bolívia possui o Salar Uyuni. Apenas por essa paisagem o passeio todo já valeu a pena. Existem outros belos lugares  no país, como as lagunas, os geysers, as ilhas e o Lago Titicaca. Mas nenhum outro se compara à visão mágica do céu se espelhando no chão. Além de Uyuni, outras cidades visitadas por nós foi La Paz e Copacabana. A primeira tem seu charme, mas a combinação altitude, poluição e falta de árvores não me fez bem. A segunda nos fez sentir em casa, não só pelo nome familiar, mas também pela bela paisagem do maior lago navegável do mundo, o Titicaca. A Bolívia no geral é um país peculiar. Eles mantém suas raízes bastante fortes, seja na música, nas vestimentas ou na forma quase improvisada que algumas coisas funcionam. Dos três, foi na Bolívia onde o choque cultural realmente apareceu. E, com o diferente, as comparações com seu país de origem e até mesmo os preconceitos aparecem de forma involuntária. Julgamentos sobre beleza física daqueles com o fenótipo do qual não estamos acostumados vem à tona. O questionamento se nossa bagagem colocada no ônibus sem identificação irá estar no mesmo lugar ao final da viagem aparece. O medo do barco aparentemente não tão seguro naufragar também surge. E, no final, tudo funcionou, ainda que num processo e com procedimentos diferentes do que seria em nosso país. Outra coisa curiosa é que no país de Evo Morales cagar é um desafio. Há um verdadeiro comércio de banheiros imundos e sem torneiras ou papel higiênico pelas cidades. Paga-se um ou dois bolivianos (aproximadamente de R$0,50 a R$ 1,00) para entrar neles. A dica é levar seu próprio rolo e um álcool em gel. Não tenha dúvidas de que eles serão de grande utilidade.

Ilha Taquile - Peru
Por fim, o Peru foi uma grata surpresa. Mais precisamente a cidade de Puno, a única do país que visitamos, mas certamente não será a última. Além de experiências inesquecíveis nas visitas que fizemos nas ilhas peruanas do Titicaca, a cidade nos recebeu com uma festa que nos lembrou bastante o carnaval de rua brasileiro. Além disso, outra grata surpresa foi encontrar e comprar o meu suvenir preferido de toda essa viagem: um jogo de xadrez com peças que faziam referência às tropas espanholas e aos guerreiros incas. Por uma grana bem menor do que nas tabacarias brasileiras, hoje tenho um jogo para expor em minha casa. Não em cristal, mas em madeira. E, mais do que um xadrez belo mas ordinário, toda vez que olho para ele me lembro dos 20 dias em que vivi uma das experiências mais inesquecíveis da minha vida. A primeira batalha ocorreu ainda em Puno. Mudando a história, o exército inca se saiu vencedor. Para minha sorte, o Rafael, meu oponente, é um jogador mais fraco que eu. Azar para os espanhóis. Mas, melhor do que mudar a história, foi ver um pouco do resultado da história nesses três belos, diferentes e exóticos países de nosso continente.

Jogo de xadrez Incas x Espanhois
Outros Textos:

Parte 1

28 janeiro 2017

Pensamentos de um mochileiro: Chile, Bolívia e Peru (Parte 1)

Países visitados: Chile, Bolívia e Peru
Duração da viagem: 20 dias
Integrantes do mochilão: Eu (Danilo) e Rafael
Idiomas falados na viagem: Português, Portuñol (Português + Espanhol), Portuliano (Português + Italiano) e Inglês
Tempo de planejamento: aproximadamente 3 meses
Tipos de lugares visitados: Cidades grandes e urbanas, cidades pequenas, lagos, rios, deserto, montanhas, geysers, águas termais, ilhas e tribos
É preciso ser rico para viajar: NÃO!


PRAZER, DESERTO

Dia 28 de janeiro de 2017


Era o sétimo dia de viagem. Mas lá, ao contrário dos outros tantos momentos incríveis que já tive o privilégio de viver, as horas passavam devagar. Talvez fosse devido à paisagem quase monocromática que eu via há provavelmente mais de 10 horas seguidas pelas janelas do ônibus. Um marrom quase alaranjado. Ora montanhas, outrora nem isso. Sem sinal algum dos verdes tão visíveis das terras tupiniquins. Era uma paisagem muito diferente daquela que estive acostumado a enxergar no Brasil. Mas não era de forma alguma uma visão intimidadora ou tediosa. Aquela paisagem não fez com que eu me sentisse um forasteiro. Ao contrário. Uma estranha sensação de pertencimento me atingia. O deserto do Atacama, localizado na parte norte do Chile e, até então, um completo desconhecido para mim, me recebia de braços abertos. Isso, claro, considerando a terra quase infinita e um Sol intenso como um grande afago de ternura. E era. Ao menos para mim.

Ao meu lado, Rafael dormia. Eu, sentado na poltrona próxima da janela, ouvia músicas enquanto olhava para a imensidão do deserto, quase como numa meditação. De repente, o modo aleatório do meu playlist me tirou do transe num dos momentos mais simbólicos de toda a viagem.

"Gracias a la vida que me ha dado tanto..."                 (Graças à vida que me deu tanto)

A argentina Mercedes Sosa invadia meus ouvidos, cantando a música mais emblemática de uma das maiores compositoras folclóricas da América Latina: a chilena Violeta Parra. 

"Me dio dos luceros que cuando los abro                     (Me deu dois olhos que quando os abro
Perfecto distingo lo negro del blanco..."                      Distingo perfeitamente o preto do branco...)

Nesse momento me senti latino, algo tão distante de nós, brasileiros. Ainda que ouvindo uma música de um idioma que não é o meu, e que não domino, eu também pertencia àquele lugar.

"(...)Gracias a la vida que me ha dado tanto              ((...) Graças à vida que me deu tanto
Me ha dado el sonido y el abecedario                        Me deu o som e o abecedário 
Con él, las palabras que pienso y declaro                  Com ele, as palavras que penso e declaro
Madre, amigo, hermano                                             Mãe, amigo, irmão
Y luz alumbrando la ruta del alma del que                E luz clareando o caminho da alma de quem 
estoy amando"                                                            estou amando)

Em pleno Atacama, uma lágrima teimou a descer dos meus olhos, como se uma gota pudesse umedecer o deserto mais árido do mundo. Mas aquela paisagem, somada à trilha sonora perfeita e uma sensação de liberdade foi uma das sensações mais fortes que já havia sentido.

"Minha casa está presa à vários balões, sendo possível tornar o meu lar em qualquer lugar" (Gabriel Feitosa)
Valle de la Luna

Dentro do ônibus se falava vários idiomas. Estranhamente, como eu e Rafael pudemos constatar e como virou quase uma regra em todos os três países que visitamos, havia turistas brancos de todas as formas e cores. Negros quase inexistentes. Dentre os de pele clara, um casal de japonês bastante exótico. Curiosamente, o ônibus foi o primeiro lugar que os encontramos. Mas não o último. Durante  todo o resto do nosso percurso pelo Chile e praticamente toda nossa vigem pela Bolívia, nós sempre cruzávamos com esse casal. É impressionante como viagens proporcionam encontros anônimos. Nunca trocamos uma palavra com eles. Não sabemos seus nomes, se realmente são japoneses ou de algum outro país oriental. E nunca descobriremos. Mas compartilhamos os mesmos ambientes e as mesmas paisagens.

Conheci tanta gente de tantos lugares, pessoas que se tornaram amigos verdadeiros ainda que por apenas alguns dias, e que nem barreira do idioma e nem a barreira cultural impediram de haver mais que comunicação, empatia. Certamente, quem faz guerra nunca viajou. Por isso, a arte e a viagem são as duas coisas mais próximas do humano que eu, humano, conheço. São  linguagens universais. Talvez existam outras. E, se existir, me falem.

Nas próximas semanas escreverei aqui no blog o roteiro exato da viagem, como alguns vem me pedindo. Roteiro em ordem cronológica, e não um texto que já se inicia falando sobre o sétimo dia de viagem. Mas as sensações são tão voláteis e inexatas, que achei que a urgência maior era essa. Mais que músicas, trilhas sonoras para sua viagem. Mais que lugares, sentimentos. Mais que culinárias, paladar.  Afinal, literatura combina tão bem com viagens, não é mesmo?